Amigas viajam pela América Latina em busca de receitas para livro

sáb, 12 de março de 2016 • 13:37 • Turismo

Já imaginou viajar pela América Latina em busca de receitas deliciosas? E se você pudesse fazer isso com pouco dinheiro e no final ainda produzisse um livro? A Tatiana Navega e a Ariane Precoma, de Piracicaba (SP), não só imaginaram como tornaram o sonho realidade. Com apenas R$ 6 mil, a meta das duas é visitar seis países latinos em 2016 e reunir o maior número possível de receitas.
 
Tatiana tem 26 anos, é chef de cozinha formada em gastronomia e música pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e abandonou o Conservatório de Tatuí (SP), onde alimentava a paixão por melodias, para viver essa jornada. Mas não se arrepende. "O que mais me doeu no coração foi isso, porque trancar não daria. Porém, foi uma escolha que eu fiz."
 
Ariane tem 27 e cursou jornalismo na mesma universidade. Há tempos ela não conseguia trabalho na área e viu no projeto a oportunidade de exercer a profissão. "Não está fácil conseguir emprego no jornalismo e isso me incentivou a viajar. Agora eu posso escrever sobre a viagem, fotografar, documentar tudo, coisas que eu não conseguia fazer em Piracicaba", contou.
 
Projeto de vida
O sorriso largo no rosto das duas resume o prazer de viver uma experiência como essa, em plena juventude, e apesar de toda crise econômica que atinge o Brasil.
 
Isso porque, Tati disse que não sabe se terá a mesma disposição daqui uns anos. “Essa é a idade certa para fazer o que a gente está fazendo", afirmou. "Não sei se com 30 anos vou ter paciência de estar na estrada. E com 30 anos eu vou ter paciência de estar com meu buffet, tranquila, com rotina."
 
Começou com um sonho
Tatiana chegou ao Uruguai primeiro, no dia 6 de janeiro. Foi de ônibus: 30 horas de viagem. Ariane chegou depois, de avião. Após duas horas de voo, desembarcou em Montevidéu no dia 12.
 
A ideia nasceu quando Tatiana sonhou que tinha asas e sobrevoava a América Latina experimentando comidas típicas e anotando as receitas. Ao acordar, decidiu que queria escrever um livro de receitas e passou 81 dias viajando para sentir se o projeto daria certo. Quando voltou, convidou Ariane, que já estava de olho nas andanças da amiga por meio das redes sociais, para se aventurar também.
 
"Foi do dia para a noite. A Tatiana olhou pra mim e falou que iria viajar para escrever um livro de receitas latino-americanas. Juntou dinheiro, pegou as coisas e simplesmente foi", detalhou Ariane. "Aí ela criou uma página no Facebook que foi o que me fazia ter acesso a tudo o que ela estava vivendo. E eu já estava ficando louca e pensava: por que eu não estou lá?"
 
Na primeira vez que a Tati partiu, no dia 18 de fevereiro de 2015, ela passou pela Argentina e pela Bolívia e voltou com 38 receitas. "Com a Ane comigo nós vamos passar novamente por esses países, porque essa é uma nova fase do projeto, mais organizada. Com a Ane eu consigo fazer gravação, o que sozinha eu não conseguia", explicou.
 
Em quase dois meses de projeto, as duas já passaram por quatro cidades uruguaias: Montevidéu, Barra de Valizas, Cabo Polonio e Punta del Diablo. Nesta quarta-feira (2), elas estão em Punta del Este. Em dezembro, as jovens voltarão para o Brasil para tomar novo fôlego antes de partirem para a próxima etapa. "A gente tem planejado os próximos três anos, para conseguirmos chegar até o México", disse Tati.
 
Recursos
Antes de trabalhar durante três meses como recepcionista em um salão de cabeleireiro de Piracicaba, Ariane fazia freelas para uma revista de gastronomia local e dava aulas de tecido. Quando surgiu o convite para participar do projeto, ela juntou todas as economias às de Tati e elas decidiram que não gastariam mais do que R$ 500 em cada país.
 
A chef de cozinha tinha o próprio buffet, que estava indo muito bem, apesar da crise, porque no setor de alimentação não há crise, segundo ela. Mas teve de apertar o "pause" na empresa. "Estava rolando normal, eu conseguia bastante serviço, mas tudo bem."
 
Para conseguirem cumprir a meta de gastar só o que têm, a dupla troca trabalho por hospedagem. "Quando o chef de cozinha nos convida para ficar na casa dele, fechou. Caso contrário, a gente busca um hostel e oferece trabalho em troca de hospedagem", contou Tati.
 
Com relação aos equipamentos, Ane disse que são pouco "evoluídos". "A câmera que usamos para filmar era da mãe da Tati e ela nos deu de presente. A gente tem um equipamento tipo 'GoPro', de segunda linha, que a gente pagou R$ 400 e saímos com um celular e um tablet, que também foi presente da mãe da Tati."
 
"Mas a gente não tem computador, então eu só consigo alimentar o site do projeto (saboreslatinoamericanos.com) nos hostels ou no computador de alguém, emprestado. E assim a gente se vira, sem muita estrutura mesmo", acrescentou Ane.
 
"A gente até cogitou fazer um financiamento coletivo e colocar ele no ar neste semestre, mas não sabemos ao certo ainda como vai rolar. E estamos em busca de quem queira nos patrocinar", recomeçou Ane. "Com o dinheiro pretendemos viajar de forma mais tranquila e melhorar nossos equipamentos. Enquanto isso não acontece, a gente fica hospedada na casa das pessoas, troca trabalho por hospedagem em hostel e viaja de carona", completou.
 
Rota
Depois do Uruguai, o projeto da Tati e da Ane, que ganhou o nome "Sabores Latino-Americanos", deve circular pela Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Equador. Não há um número estimado de receitas, já que muitos chefs surgem ao longo do caminho, principalmente por meio de indicações.
 
Em cada país, a dupla fica entre um e três meses, mas isso também não é lei. "Tudo depende dos convites que tivermos e das indicações que a gente receber durante o trajeto", reforçou Ariane. No entanto, além da rota traçada, elas também organizam como será gravada cada receita antes de ir até o próximo chef que compartilhará o sabor típico da região. "Por exemplo: daqui uma semana voltaremos para Montevidéu, porque temos uma receita planejada lá", contou Tatiana.
 
Os contatos estão sendo feitos desde o ano passado. O primeiro foi dado de bandeja pela Jéssica, uma amiga de Piracicaba. "Ela me falou sobre a Valéria, que mora na Argentina", disse. "Mas como eu estudava no Conservatório e lá tem argentinos, uruguaios, chilenos e peruanos, eles me passaram algum contato, também. E esse contato virou um amigo, que originou outro. A maioria pelo Facebook."
'Vale a pena'
 
Vai. Essa é a palavra de incentivo que as garotas têm a oferecer para quem, assim como elas, sonha em deixar de lado a carteira de trabalho e empreender, viajar o mundo a fim de realizar um projeto diferente. "É óbvio que você vai passar por perrengues em alguns momentos, mas vale muito a pena. É muito bom", garantiu Ane.
 
Para a jornalista, a melhor parte é descobrir que o trabalho não existe apenas dentro de quatro paredes na frente de um computador. "Você sai daquele mundo onde o trabalho é dentro de um escritório, sempre no mesmo horário e com o mesmo salário. A gente encontrou vários projetos, um casal de brasileiros que também está viajando e veio desde o Brasil de carona. E aí você pensa: precisa de dinheiro para viver?"
 
"Queremos voltar com ideias para empreender por meio do livro, mas para fazer isso a gente tem que passar por isso antes. Conhecer pessoas, lugares e experiências. Não tem preço viver tudo isso", comemorou. "A única coisa que eu digo é que as pessoas criem coragem. Porque o primeiro passo é o mais difícil: sair de casa, deixar a família, o conforto, o salário fixo todo mês, a segurança."
 
Já Tati contou que o que mais mexe com ela é o contato humano. "Perceber como existe um movimento paralelo de viajantes, de pessoas pegando carona, dando carona. É incrível como as pessoas ficam felizes de ensinar receitas para a gente, de ajudar o projeto", disse. “É incrível essa coisa de se ajudar. Quando estamos 'sentados' na cidade com rotina, parece que esquecemos um pouco dessa humanidade."
 
No projeto, a chef de cozinha acabou descobrindo os ingredientes básicos que compõem uma vida plena. "Quando eu pergunto se dá para pegar carona na Argentina, um cara que é como a gente, que viaja, que tem projeto, fala que 'super dá'. Entende? É esse apoio humano. O encontro humano na estrada, os amigos que estamos fazendo são realmente a parte mais mágica do projeto."
 
Fonte: Portal G1 - www.g1.com.br

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